Repetição da gravidez na adolescência: um ciclo que ainda não conseguimos romper
- SOGIA
- 16 de mai.
- 2 min de leitura

Nova gestação antes dos 20 anos não é exceção — é regra em muitos contextos sociais no Brasil
A primeira gravidez na adolescência já impõe transformações profundas na trajetória de uma jovem: abandono escolar, interrupção de planos, mudança de identidade. Mas quando essa experiência se repete, ainda durante a adolescência, os impactos se acumulam — e revelam que o sistema falhou em proteger, acolher e orientar.
Entre 2015 e 2019, mais de 2,4 milhões de adolescentes entre 10 e 19 anos tiveram filhos no Brasil. Dentre elas, uma em cada três não era mãe de primeira viagem. Ou seja, mesmo com campanhas educativas e ampliação do acesso a métodos contraceptivos, a repetição da gravidez adolescente se mantém alarmantemente alta, mostrando que as estratégias adotadas até agora não têm sido suficientes.
Em meninas de 10 a 14 anos, o percentual de repetição caiu de 5% para 4,7% no período — uma redução tímida. Já entre adolescentes de 15 a 19 anos, o índice variou de 27,8% para 27,3%. Essa estabilidade revela a persistência do problema, especialmente em populações mais vulneráveis.
Escolaridade, união precoce e vulnerabilidade
O estudo publicado na Revista da Associação Médica Brasileira demonstra que a repetição da gravidez na adolescência não ocorre de forma aleatória, mas está fortemente associada a fatores estruturais.
Entre adolescentes de 10 a 14 anos com menos de 8 anos de estudo, a chance de nova gestação foi 64% maior.
Se a adolescente era casada ou estava em união estável, o risco aumentava em 96%.
Na faixa de 15 a 19 anos, os números foram ainda mais marcantes: 137% de aumento do risco para quem tinha baixa escolaridade e 40% para as que viviam em união.
Esses dados mostram como a repetição da gravidez é muitas vezes consequência de contextos que limitam escolhas reais. A ausência de acompanhamento especializado após o primeiro parto, a falta de escuta sobre planejamento reprodutivo e o desinteresse em garantir o retorno à escola são fatores que perpetuam o ciclo.
Além disso, o estudo alerta que muitas dessas adolescentes não usam métodos contraceptivos modernos após a primeira gravidez — por falta de orientação, acesso ou autonomia para decidir.
Um problema invisível nas políticas públicas
Diferente da primeira gravidez, que costuma gerar comoção familiar e institucional, a segunda é muitas vezes naturalizada ou ignorada. A adolescente já está “fora da curva”, já não é mais vista como aluna, nem como criança. E é justamente nesse vácuo que o ciclo da exclusão se perpetua.
Prevenir a repetição da gravidez exige uma abordagem mais ampla, que vá além da entrega de anticoncepcionais. É necessário:
Garantir acompanhamento contínuo após o parto, com enfoque em saúde reprodutiva e saúde mental;
Integrar os serviços de saúde, educação e assistência;
E principalmente, oferecer escuta e projeto de vida para essas jovens, antes que o próximo ciclo recomece.
👉 Referência científica:Monteiro DLM et al. Repeated adolescent pregnancy in Brazil from 2015 to 2019. Rev Assoc Med Bras. 2023;69(5):e20221513. https://doi.org/10.1590/1806-9282.20221513
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