Instituído em março deste ano pela Lei No 13.430, o primeiro Dia Nacional de Combate à Sífilis e à Sífilis Congênita será celebrado em 21 de outubro próximo. A proposta surgiu com o grupo do Setor de DST da Universidade Federal Fluminense e da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis (SBDST), com sede na Associação Médica Fluminense, em Niterói (RJ), em função do alarmante aumento da doença por toda a população brasileira.
Sífilis é uma doença infecciosa transmitida pela bactéria Treponema pallidum por meio do sexo desprotegido ou transfusão sanguínea. Os maiores sintomas ocorrem nas duas primeiras fases, período em que é mais contagiosa. Ela se inicia com feridas nos genitais (externo e interno) e outras áreas do corpo como boca e ânus, que podem desaparecer espontaneamente, por isso dá a falsa impressão de cura. A lesão inicial geralmente é única, indolor, limpa de bordas duras (cancro duro) e acompanhada de íngua na virilha. Algumas semanas depois surgem manchas na pele (abdome, tronco, palmas das mãos e plantas dos pés). Se não tratada, a infecção pode causar lesões no cérebro, no coração e nos ossos futuramente.
“Conhecida como ‘o camaleão da medicina’, a sífilis é uma doença que engana muito a gente. Se você abrir a página de um livro de clínica médica verá que ela entra em diversos diagnósticos: queda de cabelo, queda de sobrancelha, unha deformada, problema mental de neurossífilis, manchas no corpo, hepatite, pancreatite, aneurisma de aorta e doença cardiovascular entre muitos outros. O resultado positivo para sífilis não é necessariamente igual a ter a doença, porque se a pessoa já teve e tratou, pode haver uma cicatriz sorológica, o que possibilita que o exame dê positivo. Ao mesmo tempo, se a pessoa está no primeiro estágio da doença, no início, o exame pode dar negativo”, explica Mauro Romero, presidente da SBDST.
Em 2015, o número de indivíduos notificados com sífilis adquirida foi de 65.878, além de 33.365 gestantes com a doença no mesmo período no País. Os casos de sífilis congênita, transmitidas de mãe para filho, chegaram a 19.228, dos quais 687 resultaram em abortos e 661 em natimortos, sem contar os 221 óbitos pós-nascimento, um total que ultrapassa inclusive o número de mortes provocadas pelo zika vírus.
Assessor do Programa Estadual e Municipal de DST/Aids de São Paulo, o obstetra e ginecologista Valdir Monteiro Pinto chama a atenção para os dados do Ministério da Saúde, que indicam que a sífilis adquirida vem crescendo em todas as faixas etárias no Brasil. De 2010 a 2015, os casos notificados subiram de 1.249 para 65.878, ou seja, 52 vezes. Os maiores aumentos ocorreram entre os jovens de 13 a 19 anos (61 vezes), seguido de pessoas entre 20 e 29 anos (59 vezes) e acima de 50 anos (55 vezes).
“As mulheres se encontram em situação de maior vulnerabilidade para aquisição das ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) em geral e da sífilis em particular, principalmente pela dificuldade de negociação para o uso de preservativo em razão da desigualdade de gênero. Por outro lado, os homens, apesar de mais vulneráveis às doenças crônicas e de morrerem mais precocemente, não buscam os serviços de saúde de atenção básica, o que dificulta o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno das ISTs, incluindo a sífilis”, reflete Valdir Monteiro Pinto.
Com o objetivo de oferecer informações técnicas atualizadas sobre a transmissão vertical do HIV, sífilis e hepatites virais, o Programa Municipal de DST/AIDS de São Paulo desenvolveu o aplicativo TV-SP. O app é direcionado especialmente para os profissionais da atenção primária e maternidades, de forma a subsidiá-los na tomada de decisão do pré-natal ao puerpério, contribuindo para melhoria da qualidade do serviço de saúde ofertado à população.
“Mulheres que engravidam com a infecção, sem diagnóstico nem tratamento devido transmitem a bactéria através da placenta para o feto, causando abortamento ou infecção no recém-nascido, que deverá apresentar várias sequelas graves como deformações dentárias, nos ossos, surdez, perda da visão, deficiência mental e até morte”, adverte Paulo Giraldo, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP). Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que 25% das grávidas que têm sífilis sofrem aborto espontâneo ou dão à luz bebês natimortos.
“A meta era a erradicação da doença até os anos 2000, mas, infelizmente, foi o contrário. Houve um aumento crescente dos casos notificados de sífilis adquirida e de sífilis congênita, doenças que podem ser claramente curadas com o tratamento adequado. A realização da terapêutica indicada, quando do diagnóstico em gestantes, impede que haja a transmissão do agente para a criança. A gestante deve fazer o pré-natal para que haja o diagnóstico e o tratamento correto, durante a gravidez, impedindo a transmissão do treponema para o seu bebê”, aponta Claudio Barsanti, presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
A transmissão vertical da sífilis ainda se mantém em taxas elevadas, apesar de possuir protocolo clínico bem conhecido, com triagem sorológica disponível e de baixo custo. A prevenção é feita com o uso de preservativo em todas as relações sexuais (vaginal, anal ou oral). Na gravidez é mandatório o exame de sangue para diagnóstico e tratamento precoce e a parceria sexual deve ser investigada.
“O aumento da oferta de acesso a exames e a informações prestadas pela equipe de saúde, em um ambiente de envolvimento e comprometimento, com maior adesão aos tratamentos prescritos e à prevenção, podem reduzir os indicadores de morbidade na população geral, de morbimortalidade materno-infantil e redução dos índices de sífilis congênita”, enfatiza o assessor dos programas de DST/Aids de São Paulo.
“A melhor forma de se diminuir o número de casos é a informação à sociedade e, principalmente, às futuras mães sobre o tratamento e a realização adequada do pré-natal”, concorda o presidente da SPSP. “A união das especialidades médicas afins no combate à sífilis, tanto adquirida quanto congênita, deve ser cada vez mais intensa, com um fluxo de informações eficiente para que os médicos tenham dimensão do tamanho do problema e passem isso para os seus pacientes”, reforça o presidente da SOGESP.
Os postos de saúde oferecem testes rápidos para diagnosticar a doença, e o resultado deveria sair na hora, porém, segundo a SBDST, em alguns locais chega a demorar mais de 30 dias. “O exame de sífilis, VDRL, é feito a mais de 100 anos e conta com inúmeras publicações e campanhas para o combate da doença, mas, infelizmente, ainda temos um enorme problema pela frente. Precisamos aproveitar a oportunidade do Dia Nacional de Combate à Sífilis e construir a necessidade de unir diversos grupos para acabar com a doença”, destaca Mauro Romero.
O tratamento da doença é feito gratuitamente por meio do serviço público, entretanto, a penicilina, medicamento utilizado para administrar o tratamento, segundo Mauro, há anos conta com problemas de abastecimento.
Dados completos sobre a incidência da sífilis no Brasil computados pelo governo federal podem ser encontrados no link http://indicadoressifilis.aids.gov.br/.
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